B. Alan Wallace
Center for Contemplative Research
Nos últimos 150 anos, os materialistas científicos proclamaram que o universo e a natureza da existência humana podem ser compreendidos somente em termos de configurações de matéria-energia e espaço-tempo, que operam sob as leis irracionais da física, química e biologia. O físico ganhador do prêmio Nobel Richard Feynman, um materialista entusiasmado, declarou: “não há nada que os seres vivos façam que não possa ser compreendido a partir da perspectiva de serem feitos de átomos agindo de acordo com as leis da física”. Outro físico ganhador do prêmio Nobel e materialista declarado, Steven Weinberg, concluiu: “Quanto mais o universo parece compreensível, mais ele também parece sem sentido”. Dentro dessa visão de mundo, a espécie humana é entendida somente como um produto da seleção natural e mutação genética. Como escreve o biólogo Stephen Jay Gould, “a evolução é sem propósito, não progressiva e materialista”. E, finalmente, o físico Stephen Hawking resume a posição materialista dizendo: “A raça humana é apenas uma escória química em um planeta de tamanho moderado, orbitando em torno de uma estrela muito comum no subúrbio externo de uma entre cem bilhões de galáxias”.
No entanto, de acordo com a cosmologia moderna, aproximadamente 68% do universo consiste em energia escura e 27% consistem em matéria escura, sobre a qual os cientistas nada sabem. Na verdade, tudo o que já foi observado com todos os nossos instrumentos científicos — ou seja, toda a matéria e energia conhecidas — soma menos de cinco por cento do universo. Acontece que as configurações conhecidas de matéria e energia representam apenas uma fração muito pequena do universo como o conhecemos. Então, é afirmado com confiança que apenas fenômenos físicos podem influenciar outros fenômenos físicos. Mas, na falta de fundamentos experimentais conclusivos, esta é uma crença metafísica em vez de uma observação baseada em evidências — uma crença que é desafiada, como veremos, pelos últimos avanços na física quântica.
O próprio status e cognoscibilidade da matéria e da energia foram questionados por alguns dos mesmos físicos que promoveram tão ardentemente o materialismo científico. Richard Feynman reconhece que a conservação da energia é um princípio matemático, não uma descrição de um mecanismo concreto. Ele acrescenta: “É importante perceber que na física de hoje, não temos conhecimento do que é energia”. E com relação à natureza fundamental das partículas de matéria e energia, Steven Weinberg declara: “Na receita do físico para o mundo, a lista de ingredientes não inclui mais partículas. A matéria, portanto, perde seu papel central na física. Tudo o que resta são princípios de simetria”.
De acordo com os últimos avanços na física teórica, o espaço-tempo não se saiu melhor. A física teórica Nima Arkani-Hamed recentemente declarou: “muitos, muitos argumentos separados, todos muito fortes individualmente, sugerem que a própria noção de espaço-tempo não é fundamental. O espaço-tempo está condenado.”
O eminente biólogo do século XIX Thomas Huxley foi um defensor dedicado da teoria da evolução de Darwin e um promotor enormemente influente da ciência como a chave para desvendar os mistérios do universo. Mas seu entusiasmo pela ciência foi temperado por seu profundo ceticismo sobre a ideia de que tudo no universo poderia ser reduzido à matéria, força e suas propriedades emergentes. Ele era particularmente duvidoso da proposição de que a consciência poderia ser entendida dentro de uma estrutura materialista, comentando: “parece-me bastante claro que há uma terceira coisa no universo, a saber, a consciência, que na dureza do meu coração ou cabeça não consigo ver como matéria ou força, ou qualquer modificação concebível de qualquer uma delas…”
Apesar dessas falhas claras do paradigma materialista, quando se trata da ciência da mente, o materialismo foi aceito e adotado quase inteiramente sem questionamentos. Esse processo começou com a ascensão do behaviorismo no início do século XX e se tornou entrincheirado na neurociência nos últimos sessenta anos. O neuropsiquiatra ganhador do prêmio Nobel Eric R. Kandel, uma figura seminal da década de 1960, definiu seu campo desta forma: “A tarefa da neurociência moderna é tão simples quanto formidável. Despojada de detalhes, seu principal objetivo é fornecer um conjunto intelectualmente satisfatório de explicações em termos celulares e moleculares da atividade mental normal de percepção, coordenação motora, sentimento, pensamento e memória. Além disso, os neurocientistas também gostariam de explicar os distúrbios de funções produzidos por doenças neurológicas e psiquiátricas”.
Dessa forma, o campo recém-criado da neurociência não começou com nenhuma descoberta inovadora referente ao problema mente-corpo; mas, sim, com um artigo de fé no materialismo (mais recentemente renomeado como “fisicalismo”). Isso incluía a suposição de que mente e consciência poderiam ser explicadas como nada mais do que funções do cérebro. Em outras palavras, a neurociência começou cobrindo o problema mente-corpo com um salto de fé em explicações reducionistas. Este é um caso saliente da observação do historiador Daniel J. Boorstin de que “ilusões de conhecimento”, e não mera ignorância, são os maiores impedimentos à descoberta científica.
Esta mudança para o axioma assumido do materialismo teve implicações imediatas e profundas para como a saúde mental e os transtornos mentais seriam compreendidos. Para Kandel, os transtornos mentais são puramente biológicos por natureza. O cérebro é entendido como um “órgão biológico complexo que possui imensa capacidade computacional: ele constrói nossa experiência sensorial, regula nossos pensamentos e emoções e controla nossas ações”. Na explicação de Kandel, o cérebro é responsável por comportamentos simples como correr e comer; bem como, por processos complexos e essencialmente humanos, como pensar, falar e criar obras de arte. Kandel conclui: “Observada dessa perspectiva, nossa mente é um conjunto de operações realizadas por nosso cérebro. O mesmo princípio de unidade se aplica aos transtornos”. De acordo com essa visão de mundo desmoralizante, o cérebro é o agente de todos os nossos pensamentos, intenções e comportamentos. Os humanos, como seres sencientes, não são responsáveis por nossas ações, por doenças mentais ou por nosso bem-estar. Como pessoas, somos reformulados como funções meramente ilusórias e epifenomenais de nossos cérebros.
Essa crença em uma explicação puramente física tem sido a hipótese de trabalho da neurologia, farmacologia e psiquiatria nos últimos cinquenta anos. No entanto, se fosse verdade, avanços exponenciais no conhecimento do cérebro e no desenvolvimento de psicofármacos deveriam ter produzido uma infinidade de medicamentos que curam uma gama cada vez maior de transtornos mentais. Mas, na verdade, até agora não há um único psicofármaco que possa realmente curar uma doença mental. Com certeza, muitos medicamentos podem suprimir e subjugar os sintomas de sofrimento mental — assim, como analgésicos podem suprimir os sintomas de doenças físicas — e isso é valioso para aliviar o sofrimento. No entanto, assim como é um erro acreditar que os opióides estão “tratando” doenças físicas, também é irracional sugerir que os psicofármacos estão “tratando” doenças mentais. Na melhor das hipóteses, eles podem ajudar no melhor gerenciamento dos sintomas; mas como uma cura real, eles são em grande parte uma quimera.
Donald Hoffman é um dos poucos pesquisadores de neurociência que reconhecem abertamente o fracasso dos fisicalistas em resolver o problema mente-corpo ou revelar a natureza da consciência. Ele resume esse fracasso da seguinte forma: “Agora, Huxley sabia que a atividade cerebral e as experiências conscientes são correlacionadas, mas ele não sabia o porquê. Para a ciência de sua época, era um mistério. Nos anos desde Huxley a ciência aprendeu muito sobre a atividade cerebral, mas a relação entre a atividade cerebral e as experiências conscientes ainda é um mistério”. Hoffman também observa que as suposições fisicalistas da maioria dos cientistas cognitivos contemporâneos são baseadas na física mecanicista antiquada do século XIX, que foi amplamente repudiada pelos avanços da física nos últimos 120 anos.
Um dos avanços mais brilhantes na física teórica foi proposto por John Archibald Wheeler, que aplicou os princípios da física quântica ao universo como um todo, resultando no novo campo da “cosmologia quântica”. Wheeler postulou que uma medição é apenas uma observação verdadeira do mundo físico quando transmite informações significativas, significando uma transição do reino das coisas irracionais para o reino do conhecimento consciente. Em vez de pensar no universo como matéria em movimento, ele propôs que se poderia considerá-lo um sistema de processamento de informações, exigindo a participação de observadores conscientes que estejam cientes dessas informações. Uma descoberta surpreendente da cosmologia quântica foi que para o universo em geral sem um observador, o próprio tempo desapareceu das equações — o universo está congelado. Somente quando um “observador-participante” é introduzido, com um ponto de referência perceptual no espaço-tempo, o tempo e um universo em mudança se manifestam. A evolução do universo pode ocorrer apenas quando um observador identifica o “agora”, estabelecendo assim o passado e o futuro em relação ao momento presente. Mas o passado e o futuro existem apenas em relação a esse observador-participante; elas não existem objetivamente.
Aqui, é crucial distinguir entre informação como uma qualidade puramente objetiva de um sistema físico, onde é inversamente relacionada à entropia, e informação significativa (ou semântica) que se refere a algo fora de si mesma. Não há instrumento físico que possa detectar se um som, por exemplo, é uma frase que tem um referente e, portanto, é significativo. Os sons se tornam palavras e frases apenas para usuários conscientes da linguagem, e o significado desses sons não tem características físicas. A própria categoria de “físico” é criada com base em informações significativas e não físicas. E não pode haver dúvida de que tais informações têm eficácia causal em influenciar as mentes e o comportamento dos seres humanos. Nossos pensamentos, intenções, emoções e desejos são apenas uma pequena amostra de uma ampla gama de fenômenos naturais não físicos que têm eficácia causal no mundo natural.
O físico Christopher Fuchs é o criador da interpretação Qbit da teoria quântica, que abandona a tradição rastreada até os gregos antigos de pensar sobre o mundo em termos puramente objetivos, sem o envolvimento de um “sujeito conhecedor”. “Qbit”, ele escreve, “vai contra essa corrente ao dizer que a mecânica quântica não é sobre como o mundo é sem nós; em vez disso, é precisamente sobre nós no mundo. O assunto da teoria não é o mundo ou nós, mas nós-dentro-do-mundo, a interface entre os dois.” A escritora científica Amanda Gefter, ganhadora do prêmio de livro do ano de 2015 da Physics World, comenta: “Qbit […] trata a função de onda como uma descrição do conhecimento subjetivo de um único observador. Ela resolve todos os paradoxos quânticos, mas ao custo nada insignificante de qualquer coisa que possamos chamar de ‘realidade’. Então, talvez seja novamente isso que a mecânica quântica vem tentando nos dizer o tempo todo — que uma única realidade objetiva é uma ilusão.”
Os materialistas comumente promovem a ciência como a única maneira viável de compreender todo o universo e a existência humana. Mas não há nada autenticamente científico sobre o materialismo científico; assim, como não há nada autenticamente religioso sobre o dogmatismo religioso. Thomas Huxley foi franco em seu desdém pela tendência de colocar ciência e religião uma contra a outra como se fossem fundamentalmente antagônicas: “De todas as superstições miseráveis que sempre tenderam a irritar e escravizar a humanidade, essa noção do antagonismo entre ciência e religião é a mais nociva. A verdadeira ciência e a verdadeira religião são irmãs gêmeas, e a separação de uma da outra certamente provará a morte de ambas. A ciência prospera exatamente na proporção em que é religiosa; e a religião floresce na exata proporção da profundidade científica e firmeza de sua base.”
O grande pioneiro da psicologia moderna, William James, propôs que a maneira de resgatar tanto a ciência, quanto a religião das limitações intelectuais e metodológicas do dogmatismo era que ambas adotassem um espírito de “empirismo radical”. Ele escreveu: “Digo ‘empirismo’ porque ele se contenta em considerar mais seguras suas conclusões de questões enquanto hipóteses sujeitas a modificações no curso de experiências futuras. E digo ‘radical’ porque ele trata a doutrina do monismo em si como uma hipótese e, diferentemente de grande parte do empirismo mediano atualmente sob o nome de positivismo, agnosticismo ou naturalismo científico, ele não afirma dogmaticamente o monismo como algo com o qual toda experiência tem que se enquadrar.”
A Revolução Científica do século XVII surgiu em rebelião contra o dogmatismo escolástico de sua época. Desde então, a ciência avançou formulando novas teorias e depois revisando ou substituindo-as por teorias melhores, à medida que o escopo do conhecimento empírico aumentava. No entanto, com o tempo, muitos cientistas acharam difícil resistir à tentação de formar seu próprio dogma para substituir um religioso. Sem dúvida, há algo profundamente perturbador em questionar nossas suposições mais profundas. Pelo termo “dogma”, quero dizer uma visão de mundo coerente e universalmente aplicada, consistindo em uma coleção de crenças e atitudes que exigem a lealdade intelectual e emocional de uma pessoa. Um dogma, portanto, tem um poder sobre indivíduos e comunidades que é muito maior do que o poder de meros fatos e teorias baseadas em evidências. Na verdade, ele pode prevalecer apesar das evidências contrárias mais óbvias; um compromisso com um dogma pode se tornar ainda mais zeloso diante de desafios à sua validade. Assim, os dogmáticos muitas vezes parecem incapazes de aprender com qualquer tipo de experiência ou lógica que não seja aceitável dentro dos limites de suas próprias crenças.
Embora o espírito do empirismo radical na ciência tenha sido frequentemente sufocado pela mente fechada, ele foi abraçado pelos grandes revolucionários da ciência moderna — Galileu, Darwin, Einstein e Niels Bohr. E é certamente a marca registrada do pensamento de cientistas inovadores da era moderna, incluindo os físicos John Archibald Wheeler, Anton Zeilinger e Christopher Fuchs; bem como, os cientistas cognitivos Francisco Varela, Donald Hoffman e David Presti. Evidentemente, o dogmatismo tem difamado cada uma das religiões do mundo desde seu início. Mas, ao longo da história grandes contemplativos têm repetidamente superado essa tentação ao se concentrarem de mente aberta na investigação pessoal e na experiência em sua busca pela verdade e libertação.
Sob essa luz, agora me volto para o papel do Budismo tanto na história, quanto no futuro do que chamo de “pesquisa contemplativa”. Esta é a tradição contemplativa com a qual estou mais intimamente familiarizado, tendo estudado e praticado em tempo integral como um budista comprometido por mais de cinquenta anos.
Gautama Buda abraçou os princípios do empirismo e do pragmatismo em seus conselhos aos seus seguidores. Em um famoso discurso, ele diz: “Venham, Kālāmas, não sigam a tradição oral, a linhagem de ensinamentos, o boato, uma coleção de escrituras, o raciocínio lógico, o raciocínio dedutivo, a cogitação raciocinada, a aceitação de uma visão após ponderá-la, a competência aparente de um orador, ou porque vocês pensam: ‘O asceta é nosso guru’. Mas quando, Kālāmas, vocês sabem por si mesmos: ‘Essas coisas são prejudiciais; essas coisas são censuráveis; essas coisas são censuradas pelos sábios; essas coisas, se aceitas e empreendidas, levam a danos e sofrimentos’, então, vocês devem abandoná-las.”
O cerne das descobertas contemplativas do Buda e dos ensinamentos que delas surgiram, centra-se em quatro temas: (1) identificar experiencialmente toda a gama de sofrimentos aos quais os humanos e outros seres sencientes são vulneráveis; (2) identificar as causas fundamentais e subjacentes do sofrimento, com ênfase nas origens do sofrimento mental; (3) perceber a possibilidade real de libertação do sofrimento e suas causas; e, por fim, (4) aplicar-se a uma visão de mundo integrada, a práticas meditativas e a um modo de vida que o levará a alcançar tal liberdade. Estas são comumente conhecidas como as Quatro Nobres Verdades; embora uma tradução mais precisa seria as Quatro Realidades Arya, uma vez que estes são os aspectos da realidade autenticamente conhecidos por um ser que percebeu a natureza última da realidade diretamente, ou um arya. O sofrimento e suas causas são fenômenos naturais, não sendo atribuídos a influências sobrenaturais. A libertação ante a eles é alcançada não simplesmente com fé, graça ou obediência à lei divina, mas conhecendo a realidade como ela é. Então, a busca pela liberdade e pela verdade estão inextricavelmente interligadas em todos os ensinamentos budistas. É preciso descobrir experimentalmente a natureza da realidade por si mesmo, e todos os ensinamentos do Buda devem ser avaliados criticamente. Como o Buda enfatizou: “Assim, como os sábios aceitam o ouro após testá-lo aquecendo, cortando e esfregando, assim minhas palavras devem ser aceitas após examiná-las, mas não por respeito a mim.”
De acordo com o princípio de empirismo da mente aberta e do raciocínio sólido do Buda, o Dalai Lama frequentemente comentou que se a ciência produzisse evidências convincentes para refutar uma crença budista, ele rejeitaria essa crença. Por outro lado, ele também enfatizou que simplesmente deixar de confirmar certas descobertas contemplativas por si mesmo não é motivo para rejeitá-las. A ausência de evidências não é necessariamente evidência de uma ausência. É revelador que tal mente aberta e respeito raramente sejam expressos por cientistas pelas descobertas corroboradas intersubjetivamente feitas por contemplativos. Como o contemplativo budista do século III a.C. Aryadeva explica: “Diz-se que aquele que é imparcial, perceptivo e atento à prática é um discípulo adequado aos ensinamentos do Buda. As boas qualidades do instrutor não são diferentes, nem são diferentes para os colegas estudantes.” Essas mesmas qualidades devem ser igualmente essenciais para qualquer um que deseje embarcar em uma carreira na ciência.
Hoje em dia, a meditação budista está fortemente associada à consciência atenta [mindfulness]. Este termo foi definido com autoridade pelo antigo mestre budista indiano Nagasena: “A consciência atenta quando surge, traz à mente tendências saudáveis e prejudiciais, aquelas com falhas e sem falhas, aquelas inferiores e aperfeiçoadas, insignificantes e relevantes, juntamente com suas contrapartes. […] A consciência atenta quando surge, segue os cursos de tendências benéficas e não benéficas: essas tendências são benéficas, essas não benéficas; essas tendências são úteis, essas inúteis. Assim, aquele que se envolve na prática espiritual rejeita tendências não benéficas e cultiva tendências benéficas.” É evidente que os temas do empirismo e pragmatismo do Buda também são centrais para o cultivo da consciência atenta. Na compreensão budista, a consciência atenta é claramente orientada para o desenvolvimento da sabedoria introspectiva, que por sua vez, é movida por uma aspiração de identificar e aliviar as causas internas da angústia e do bem-estar genuíno.
O estudo científico da mente começou apenas no final do século XIX. Até então ele falhou em lançar qualquer luz sobre a natureza da consciência ou sobre as origens da mente humana. A relação da mente com o corpo é tão obscura para a ciência agora, quanto era há um século; e o que acontece com a consciência na morte continua sendo um mistério para a ciência. Em contraste, os contemplativos budistas têm empreendido investigações experimentais e racionais sobre a natureza, origens e potenciais da mente por pelo menos dois milênios e meio. A investigação sobre a natureza da consciência e seu papel no mundo natural é um tema central em toda a teoria e prática budista, e tal conhecimento é visto como indispensável para a obtenção da libertação do sofrimento.
O contemplativo budista nascido em Sikkim, Yangthang Rinpoche, um dos meus próprios mentores, afirma sucintamente como começar uma investigação da mente aberta sobre a natureza da mente. Ele se inspira na escola da Grande Perfeição do Budismo Tibetano, escrevendo: “Ao olhar para dentro, você observa sua própria mente. Não siga pensamentos passados, nem antecipe pensamentos que virão. Quanto à agitação selvagem dos pensamentos do momento presente, assim que você direcionar sua mente para dentro de si mesma, descanse frouxamente ali, sem consertar ou modificar nada no mínimo.” Este é um método clássico para acalmar a mente com intenção de penetrar para além do domínio da psique humana, e explorar a esfera da realidade da qual a mente emerge.
O contemplativo tibetano do século XIX Düdjom Lingpa descreveu a experiência comum de muitas gerações de contemplativos budistas que se envolveram em tal treinamento meditativo intensivo em tempo integral da seguinte forma: “Ao aplicar-se a esta prática continuamente em todos os momentos, tanto durante quanto entre as sessões de meditação, eventualmente todas as conceitualizações grosseiras e sutis serão acalmadas na expansão vazia da natureza essencial [da sua mente]. […] finalmente, porque a mente comum de um ser senciente comum, por assim dizer, desaparece, os pensamentos inconscientes e a divagação mental diminuem no espaço da consciência.”
Assim, Düdjom Lingpa continua explicando como o domínio da mente, no qual todas as atividades mentais são experimentadas, se dissolve em uma vacuidade absoluta chamada consciência substrato. Este campo é imaterial, desprovido de pensamento, uma vacuidade semelhante a um espaço vazio no qual as aparências são suspensas. Nós naturalmente, mas inconscientemente, entramos neste estado em sono profundo e sem sonhos, quando desmaiamos e quando morremos. No entanto, com treinamento contemplativo rigoroso e intensivo é possível tornar-se plena e lucidamente consciente desta vacuidade. Na meditação profunda e sustentada, a dimensão mais sutil da mente que experimenta este espaço vazio é uma luminosidade absoluta de consciência, conhecida como consciência substrato; caracterizada por bem-aventurança, luminosidade e não-conceitualização. Este fluxo primordial de consciência foi descoberto por contemplativos de outras tradições e é definido de diferentes formas. É amplamente reconhecido entre os contemplativos budistas que esse fluxo primordial de consciência não emerge do cérebro, mas é condicionado (ou reconfigurado) pelo cérebro e outros fatores à medida que a mente humana se desenvolve e é ativada em níveis mais grosseiros.
Ao contrário da crença materialista amplamente difundida de que as memórias são “codificadas no cérebro”, os budistas e outros contemplativos descobriram que elas são, de fato, “armazenadas” neste continuum da consciência primordial. Deste domínio central da consciência, a mente humana emerge e os padrões nos quais ela passa a funcionar são de fato condicionados pelo desenvolvimento do órgão cerebral. Mas é a consciência primordial que continua após a morte, quando a mente humana condicionada pelo cérebro se dissolve. Assim, em vez do cérebro ser o “disco rígido” para o “software” da mente, de acordo com o entendimento budista o cérebro seria mais análogo a um teclado, e o disco rígido metafórico seria, em vez disso, a consciência substrato.
A descoberta da conservação da consciência de uma vida para outra foi afirmada por filósofos ocidentais que remontam a Pitágoras (que afirmava conhecer vidas passadas por sua própria experiência), passando por Sócrates, Platão e Plotino. Esta continuidade da consciência individual foi defendida por contemplativos das principais religiões do mundo — hinduísmo, taoísmo, budismo, judaísmo, cristianismo e islamismo. Em seu Evolution and Ethics and Other Essays, publicado em 1894, Thomas Huxley escreveu sobre a teoria da reencarnação: “Na doutrina da transmigração, qualquer que seja sua origem, a especulação bramânica e budista encontrou, pronta para uso, os meios de construir uma justificativa plausível dos caminhos do Cosmos para o homem. […] No entanto, esse apelo de justificativa não é menos plausível do que outros; e ninguém, exceto pensadores muito precipitados, o rejeitará com base no absurdo inerente.” Um século depois, o astrônomo Carl Sagan escreveu em seu livro The Demon-Haunted World [O Mundo Assombrado Pelos Demônios] que uma atenção científica séria deveria ser dada às alegações de crianças pequenas que relatam detalhes de uma vida anterior. Ele defendeu estudos sérios para verificar a veracidade de seus relatos. Este é precisamente o tipo de pesquisa que tem sido feita por mais de quarenta anos na Divisão de Estudos Perceptuais da Universidade da Virgínia. Esta pesquisa resultou em um crescente corpo de evidências em apoio à teoria da reencarnação. Infelizmente, a comunidade científica tem evidenciado maior fidelidade aos dogmas materialistas, do que às evidências empíricas que podem desafiar crenças investidas.
Nas últimas décadas do século XIX, quando a crença metafísica no materialismo mecanicista dominava as ciências naturais, presumia-se que as únicas influências causais sobre a matéria e a energia eram configurações de matéria e energia. O mundo físico era visto como sendo causalmente fechado. Mas com evidências empíricas apoiando a teoria geral da relatividade de Einstein, descobriu-se que o espaço-tempo, embora não seja derivado da massa-energia, interage causalmente com ela. Além disso, há evidências empíricas crescentes de que a consciência também não é derivada da matéria, mas interage causalmente com sistemas de massa-energia. Assim, como o espaço-tempo interage causalmente com sistemas de massa-energia sem ser derivado da massa-energia. Todas essas três categorias básicas de fenômenos naturais (massa-energia, espaço-tempo e consciência) são conservadas — nenhuma delas pode emergir do nada, nem podem se transformar em nada. As configurações de cada uma dessas categorias emergem de configurações anteriores, e se transformam em configurações posteriores à própria categoria. Em consonância com o pensamento de John Wheeler, os construtos conceituais de “massa-energia” e “espaço-tempo” são derivados de informações semânticas coletadas de observações objetivas. Da mesma forma, os conceitos de “consciência” e “mente” são derivados de informações coletadas de observações introspectivas e subjetivas. Nenhum desses fenômenos é inerentemente real, independentemente de sua designação conceitual. Essas três categorias de fenômenos existem apenas em relação às informações significativas nas quais suas designações conceituais são baseadas, e tais informações não são físicas, nem são uma forma de consciência. Além disso, informações significativas e semânticas em si não são inerentemente reais, pois existem apenas em relação à mente que as entende; assim, como a mente não existe independentemente dos objetos que apreende.
Embora a suposição materialista de que a mente e a consciência são geradas unicamente pelo cérebro dificilmente seja questionada por cientistas cognitivos, ela nunca foi testada ou confirmada empiricamente. A hipótese contemplativa sobre a conservação da consciência, por outro lado, foi testada repetidamente ao longo de milhares de anos. O procedimento para colocá-la em teste de experimento é direto: depois de estabelecer a mente em seu estado natural por meio de treinamento rigoroso e sustentado, o contemplativo descansa, com claro discernimento mental, na consciência substrato. O pesquisador contemplativo, então, direciona sua atenção para um momento específico no passado. Como se recuperasse dados do disco rígido, observa a memória que vem à mente, com suas imagens, emoções e outros aspectos mentais associados.
Por muitos séculos, os contemplativos budistas penetraram até mesmo além desse fluxo primordial da consciência individual para uma dimensão não local e atemporal da consciência que está além de todas as categorias conceituais, incluindo o eu ou o outro, sujeito ou objeto. Os métodos projetados para romper com esse estado fundamental de consciência procedem primeiro determinando experimentalmente se o próprio fluxo de consciência individualizado realmente existe em si mesmo, por qualquer natureza inerente própria. A conclusão tirada por muitas gerações de contemplativos budistas é que ele é vazio de qualquer existência autônoma. Yangthang Rinpoche esclarece esse ponto, escrevendo: “Assim que você descansa em seu estado natural, os pensamentos cessam e partem espontaneamente. A lucidez natural dos pensamentos, o que permanece quando eles desaparecem, é a natureza vazia, transparente e essencial da mente.” Essa experiência é como o espaço, desprovida de qualquer objeto e transcendendo todas as categorias conceituais, mesmo aquelas de existência e não-existência. Ele continua: “Bem ali naquele vazio está a natureza clara e lúcida manifesta da mente. Desprovido de quaisquer características substanciais das quais você pode dizer, sua própria luminosidade espaçosa e desimpedida, que é naturalmente clara, é o sambhogakāya.” Enquanto a consciência substrato e o substrato que ela experimenta são condicionados por causas e condições anteriores e mudam de momento a momento, esta dimensão mais profunda da consciência, chamada consciência primordial, é incondicionada. Da mesma forma, o vazio abrangente que ela realiza, que é conhecido como o espaço absoluto dos fenômenos, também é incondicionado. Esses dois, nominalmente considerados como sujeito e objeto, são experimentados como indiferenciados atemporalmente, pois não há dualidade entre o percebido e o percebedor.
Diz-se que todos os fluxos de consciência individual — de humanos e de todos os outros seres sencientes em todo o universo — derivam dessa consciência primordial, e todas as configurações de espaço-tempo e massa-energia são formações cristalizadas do espaço absoluto dos fenômenos. Em outras palavras, esse é o fundamento divino e último do ser, que transcende as construções conceituais do materialismo monístico e do dualismo mente-corpo. Yangthang Rinpoche conclui: “No fluxo mental de alguém que realiza essa Grande Perfeição, a compaixão imparcial e a visão pura imparcial emergem sem esforço e naturalmente”. Relatos comparáveis de uma realização contemplativa finalmente libertadora são encontrados em cada uma das grandes tradições contemplativas do mundo, conforme apresentado por Aldous Huxley em sua obra clássica The Perennial Philosophy (A Filosofia Perene: Uma interpretação dos grandes místicos do Oriente e do Ocidente)
De acordo com o Buda, a dimensão mais elevada do bem-estar genuíno, que nunca diminui, decorre do conhecimento da natureza última da realidade. Tal sabedoria pode ser adquirida apenas cultivando capacidades de exímio discernimento da mente. Isso inclui treinamento rigoroso em consciência atenta e introspecção. Um alto grau de equilíbrio mental e estabilidade é necessário para sustentar o tipo de percepção que pode transformar radicalmente todo o ser de uma pessoa. Além disso, qualquer treinamento mental deve estar baseado nos níveis mais puros de disciplina ética que vêm permear todos os aspectos da vida de uma pessoa. A ética budista se resume essencialmente aos pilares gêmeos da não violência e da benevolência. Essas são as fundações indispensáveis de toda prática budista. O Buda resumiu seus ensinamentos como um todo desta forma: “Não se envolva em comportamento maligno de qualquer tipo. Dedique-se a uma generosidade de virtude. Subjugue completamente sua própria mente. Este é o ensinamento do Buda.”
A prática budista não visa apenas erradicar as causas internas da infelicidade, mas também para cultivar um bem-estar genuinamente sustentável. Esse estado de eudemonia emerge de dentro, sem depender de circunstâncias externas agradáveis. O Buda descreveu três tipos de bem-estar genuínos decorrentes da vida contemplativa: o bem-estar do contentamento e da consciência limpa de levar um modo de vida ético; bem-estar obtido por meio do cultivo do equilíbrio mental, incluindo o desenvolvimento da consciência atenta e da introspecção; e, finalmente, o bem-estar supremo da liberdade completa que é adquirida por meio do insight sobre a real natureza da mente e o papel da consciência no mundo natural. Em suma, ele encorajou seus seguidores a descobrir o que realmente constitui o bem-estar genuíno e, com base nesse entendimento, a cultivá-lo. Esta mensagem parece de vital importância para todas as pessoas ao longo do curso da civilização humana; mas é especialmente pertinente aos nossos tempos atuais.
A humanidade agora enfrenta uma crise sem precedentes que coloca em risco toda a ecosfera, incluindo a própria civilização humana. Em grande parte, nossos problemas atuais decorrem da Revolução Industrial que começou há 150 anos. Isto trouxe uma dominação gradual da cultura global pelo materialismo como uma visão de mundo, hedonismo como um valor primordial e consumismo como um modo de vida. Em resposta à perda catastrófica de significado e à degradação do nosso ambiente que se seguiu a essa tríade, o desafio é adotar uma abordagem radicalmente empírica para entender a mente. Esse tipo de investigação lançará luz sobre as verdadeiras causas do sofrimento mental e do bem-estar genuíno, voltando-se para dentro para observar a mente diretamente, em vez de focar estritamente em expressões comportamentais e correlatos neurais.
Para aqueles de nós comprometidos com esse ideal, buscamos entender a natureza da consciência e seu vasto potencial para transformação efetiva. Para fazer isso, devemos estar dispostos a derrubar séculos de chauvinismo cultural, racismo e mente fechada em relação às culturas e grupos étnicos vistos como “outros”. São esses estados mentais destrutivos que fizeram a civilização moderna ignorar as descobertas de culturas antigas sobre a natureza humana e a realidade como um todo. Nossa abordagem como contemplativos deve ser integrar métodos de investigação em primeira pessoa desenvolvidos e praticados pelas grandes tradições contemplativas do mundo com os métodos de investigação em terceira pessoa utilizados nas ciências físicas e cognitivas.
Eu acredito que as crises globais que enfrentamos hoje — ambiental, social, racial, médica, econômica e espiritual — podem ser superadas se a família humana se unir na busca por entender a natureza e os potenciais da mente que são comuns a todos nós. Devemos perseverar nessa busca em um espírito de profunda humildade, respeito mútuo e compaixão sincera uns pelos outros como seres humanos, e por todos os seres sencientes com quem compartilhamos este planeta.
Eu gostaria de concluir este ensaio com um chamado à ação. O materialismo desenfreado (científico, espiritual e social) tem obstruído a evolução da ciência e da religião da mente aberta por mais de um século. E, no entanto, quanto mais as ciências físicas e mentais progrediram, mais elas mesmas revelaram as falácias do paradigma materialista. Ainda assim, devido às restrições ideológicas e metodológicas desta visão de mundo desumanizante, a natureza, origens, e potenciais da consciência, o problema mente-corpo, e as fontes reais dos transtornos mentais e do bem-estar genuíno permanecem em grande parte desconhecidos para a ciência. As limitações da ciência materialista correspondem exatamente aos pontos fortes das grandes tradições contemplativas do mundo.
A pandemia [foi] um chamado claro para cada um de nós se afastar temporariamente da pressa de consumir e, em vez disso, explorar novos tipos de simplicidade e solitude. Esta é uma oportunidade de reavaliar nosso modo de ver a realidade, nossas prioridades e nosso modo de vida. É hora de nos libertarmos do que nos prende como espécie — ou seja, materialismo de mente fechada, hedonismo e consumismo. Não é exagero dizer que essas falhas humanas estão destruindo a ecosfera e minando a civilização humana. Ao abraçar uma nova mente aberta, podemos começar a explorar os potenciais da consciência e investigar o poderoso papel da mente no mundo natural. Pela primeira vez na história da humanidade, poderíamos aproveitar e integrar tanto os insights mais profundos da ciência moderna quanto as grandes tradições contemplativas do mundo, potencialmente nos levando a uma nova era de florescimento humano.
Este é um chamado à ação. O materialismo desenfreado — científico, espiritual e social — tem obstruído a evolução da ciência e religião de mente aberta por mais de um século. No entanto, quanto mais as ciências físicas e mentais progrediram, mais elas próprias revelaram as falácias do paradigma materialista. Ainda assim, devido às restrições ideológicas e metodológicas dessa visão de mundo desumanizante, a natureza, as origens e os potenciais da consciência, o problema mente-corpo e as fontes reais de doença mental e de bem-estar genuíno permanecem em grande parte desconhecidos para a ciência. As limitações da ciência materialista correspondem exatamente aos pontos fortes das grandes tradições contemplativas do mundo. A atual pandemia materialista é um chamado claro para cada um de nós se retirar temporariamente da pressa de consumir e, em vez disso, explorar novos tipos de simplicidade e solitude. Esta é uma oportunidade de reavaliar nossa maneira fundamental de ver a realidade, nossas prioridades e nosso modo de vida. Já passou da hora de nos libertarmos do que nos prende como espécie — ou seja, materialismo de mente fechada, hedonismo e consumismo. Não é exagero dizer que essas falhas humanas estão destruindo a ecosfera e minando a civilização humana. Ao abraçar uma nova mente aberta, podemos começar a explorar os potenciais da consciência e investigar o poderoso papel da mente no mundo natural. Pela primeira vez na história da humanidade, poderíamos aproveitar e integrar tanto os insights mais profundos da ciência moderna quanto as grandes tradições contemplativas do mundo, potencialmente nos levando a uma nova era de florescimento humano.
Referência Bibliográfica
WALACE, A. (2020). Crestone, CO: Center for Contemplative Research. A New Paradigm for Science and Religion in the Twenty first century.